Como as pandemias moldaram a arquitetura

Como as pandemias moldaram a arquitetura: entendendo o passado para projetar o futuro.

A pandemia de Covid-19 revelou questões urgentes relacionadas à densidade das cidades, a caminhabilidade, a tecnologias, o transporte e os espaços públicos, trazendo desafios a serem sanados nesses aspectos urbanos, mas principalmente, no ponto de vista do ambiente construído. Mostrou-se notório o quanto esses espaços são mal gerenciados em relação ao conforto e segurança.

Durante os últimos séculos, diversas doenças infecciosas transformaram as cidades através da arquitetura e do design - as pessoas precisaram redesenhar seus espaços físicos. O medo da população moldou a forma das edificações. Muitas das tendências que são vistas atualmente foram soluções do passado para resolver problemáticas ligadas à saúde e conforto das pessoas. 

No século XIV, a peste bubônica incentivou modificações urbanas e arquitetônicas, onde foram criados grandes espaços públicos e ações higienistas nos alojamentos. Com a superlotação da época, foram criadas, também, instalações de quarentena e amplos espaços públicos. 

Séculos depois, o modernismo incentivou novamente as políticas de planejamento urbano e soluções que contribuíssem para a cura de doenças, como a tuberculose, febre tifóide e gripe espanhola. Marcado por uma estética limpa tanto em sua forma - uso da simplicidade geométrica e materiais modernos -, como na premissa de ser livre de doenças e poluição.

Um ambiente beneficiado por luz, ar livre e natureza, faziam parte dos princípios da arquitetura modernista para prevenir a tuberculose. Para isso, utilizavam-se de pinturas claras, superfícies planas que não acumulavam poeira e grandes janelas em fita, para remeter o aspecto de limpeza. 

Já em 2020, o COVID-19 trouxe à sociedade, a reflexão sobre suas prioridades individuais e coletivas. Com a necessidade de uma nova quarentena, a nível mundial, para combater os danos causados pelo coronavírus, as pessoas precisaram aplicar o isolamento domiciliar a fim de diminuir a propagação dessa doença altamente infecciosa. 

Com o uso da tecnologia foi possível, então, criar novas formas de viver. O consumo de conteúdos educativos, culturais e de compras, por meio de vários cliques, foram intensificados. Com o distanciamento social e as medidas de quarentena, o crescimento das videochamadas, dos webinars e do e-commerce mostrou a possibilidade de trabalhar, estudar e consumir sem sair de casa. 

Esses novos comportamentos moldaram o cotidiano da população e trouxeram junto questionamentos sobre os espaços físicos - as habitações e os escritórios passaram a ter novos desafios de projetos a serem resolvidos. 

Apesar de ser muito cedo para afirmar quais são as mudanças que afetaram o futuro do segmento de arquitetura e design, onde diversos estudos ainda precisam ser feitos, já é possível identificar algumas tendências que possivelmente serão muito adotadas. 

Pensando nisso, este artigo abordará a influência das pandemias no desenho de edificações e cidades ao longo dos anos, e como se preparar para os futuros projetos de casas e edifícios:

Aproveite a leitura!

Habitações pós-pandemias 

As habitações são os espaços mais seguros para ofertar isolamento contra vírus, entretanto, no século passado, a forma dessas edificações não eram propícias para o tratamento de tuberculose e pneumonia - principais causas de mortes da época. As casas tinham muitos materiais pesados, uso de objetos em demasia e pouco acesso a luz e ventilação natural. 

Por isso, as pessoas que tinham oportunidade de serem tratadas adequadamente, procuravam sanatórios afastados do adensamento, os quais continham a natureza necessária para a cura. 

Logo, edificações que atendessem as demandas de recuperação começaram a ser projetadas. Essa nova arquitetura começou a influenciar nomes, como Le Corbusier e Alvar Aalto, que se preocupavam em desenvolver arquiteturas que contivessem as doenças da época. 

“Eles também queriam abordar outras questões sociais, como a necessidade de moradias de baixo custo e um padrão de vida melhorado para as massas.”

Além das soluções terapêuticas de intensificar a passagem de luz e ar, foi-se utilizado também, o uso de pilotis para elevar as edificações, planta baixa e fachadas livres, janelas em fita e terraço jardim - ficando conhecido, assim, como os 5 pontos da arquitetura moderna, muito utilizada por Le Corbusier. 

Uma outra solução referência daquela época, utilizada na Villa Savoye, e que atualmente está sendo empregada em projetos residenciais, devido a pandemia do COVID-19, é o uso de pia para lavar as mãos, na área de entrada da edificação. Hoje, todas as edificações, seja residencial ou comercial, tem um espaço adaptado com álcool para a higienização das mãos e de objetos.

Como as pandemias moldaram a arquitetura

E assim, novos mobiliários começaram a ser inseridos para facilitar a limpeza e o armazenamento de itens vindos da rua, por exemplo o uso de sapateiras, cabideiros e chapeleiras no hall de entrada. 

Como as pandemias moldaram a arquitetura
Fonte: Pinterest

Contextualizando com os dias atuais, onde as pessoas passaram mais tempo em casa, devido às medidas de segurança declaradas pela OMS (Organização Mundial da Saúde), essas perceberam que os ambientes em que elas viviam, precisavam de melhorias, e assim as fizeram. 

Ter ambientes personalizados por espaços verdes será uma exigência contínua, mesmo depois do fim da pandemia, para assim fornecer ventilação, iluminação e uma produção de alimentos aos moradores, que estão cada vez mais atentos à qualidade de vida, a funcionalidade dos espaços e as novas ondas que poderão surgir. 

Cultivar os próprios alimentos é importante em momentos de isolamento. As estratégias incorporadas no modernismo, os chamados terraços jardins, são e serão soluções para reorientar os espaços verdes que nos foram afastados ao longo do tempo, além de contribuírem para a implantação da agricultura urbana. Vale ressaltar que esses sistemas de hortas sob o teto exigem cálculos e estudos mais aprofundados. 

Como as pandemias moldaram a arquitetura

Devido ao adensamento dos edifícios e o compartilhamento dos ambientes comuns, na atualidade, são muitas as superfícies que diversas pessoas têm contato ao longo do dia. Com isso, na era do COVID-19, as pessoas desenvolveram espécies de fobias psicossociais, ao compartilhar elevadores e tocar em maçanetas, por exemplo.

De certo, as edificações do futuro levarão em conta esses novos hábitos de menos toques, junto com a necessidade de espaços mais amplos, como corredores, escadas e portas, os quais possam ser mais flexíveis para as pessoas. Além de implementar estratégias que melhorem a qualidade do ar e de luz natural, inserindo então, grandes janelas, varandas, claraboias e pátios. 

Projetar habitações, agora, é também se atentar aos novos arranjos de trabalho: lugares cada vez mais flexíveis, virtuais e domiciliares. Esses locais para home office necessitam de soluções, como grandes esquadrias, mobiliário confortável, equipamentos adequados e um bom isolamento acústico. 

Um levantamento feito pela empresa brasileira Archademy, revelou que ao entrevistar escritórios de arquitetura, 95,5% dos 900 profissionais afirmaram receber demandas para reforma em ambientes residenciais. Sendo essas, mudanças em estação de trabalho, solicitação por ambientes verdes e áreas de estar e lazer. 

“59,3% dos arquitetos responderam que estão recebendo solicitações diferentes para adequações de ambientes pós-COVID-19” 

Escritórios pós-pandemia

O trabalho remoto intensificou-se na pandemia do COVID-19, se antes havia uma resistência por parte das empresas, hoje é uma realidade, quase uma solução para a crise global econômica, já que o modelo home office é mais vantajoso em relação ao trabalho presencial por possuir um custo menor de infraestrutura, de despesas operacionais e de transporte. Tornando-se cada vez menos necessário espaços físicos corporativos. 

Muitas pessoas gostaram da nova experiência em casa porque trouxe melhor produtividade, nos casos em que o ambiente tinha melhor qualidade do que o corporativo - apresentava conexão com o verde, melhor qualidade do ar e conforto. 

Como também, ocorreu o oposto, onde a experiência no escritório era melhor do que em casa, e muitos desejaram retornar para o ambiente corporativo. Surgiu então, a rotina de trabalho híbrido, com o revezamento de alguns dias em casa e outros no trabalho.  

O fato é que, os escritórios deverão se reformular para oferecer maior espaço entre as pessoas e estações de trabalho. As limpezas nesses ambientes serão intensificadas e a utilização de tecnologias através de germicidas ultravioleta, serão uma prática recorrente para desinfetar as salas comuns. 

Espaços públicos e tecnologias pós-pandemias

Outra epidemia que contribuiu para que os modernistas se preocupassem com a forma das edificações, foi a da gripe espanhola, ocorrida na segunda década do século passado. Grandes espaços abertos somados a largas avenidas dividiam os bairros pelos seus usos, marcando o modernismo brasileiro

Hoje entende-se a importância de desenvolver espaços públicos de qualidade, eles são e serão indispensáveis para prevenir a propagação de doenças, sendo esses benéficos à saúde física e mental, e que podem ser implantados em escalas menores, como por exemplo, os pocket parks - espaços compactos acessíveis ao público e dotados de vegetações que ofereçam conforto térmico aos usuários, convidando-os a experimentar os os mobiliários destinados ao apoio e descanso. 

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Fonte: Archdaily

Além desses espaços, oferecer uma cidade que tenha caminhos seguros através do tecido urbano e formas das edificações amigável ao pedestre, é uma solução para épocas epidêmicas que exigem a não utilização do transporte público e sua aglomeração - disseminadoras de doenças. 

Diferentemente das grandes avenidas inseridas no modernismo, que privilegiavam o uso dos carros em detrimento do pedestre, hoje isso se mostra não mais sustentável. O transporte público do futuro será a caminhada, além de ser uma atividade física, é um elo importante para conhecer a arquitetura da cidade. Ter equipamentos melhores distribuídos, como unidades básicas de saúde e escolas, descentralizando-os, também seria o ideal junto a esse cenário. 

Portanto, com a necessidade de retornar à natureza com seus efeitos curativos, o rumo do design de interiores é fazer essa reconexão, através da replicação de suas cores, padrões e formas. 

Como as pandemias moldaram a arquitetura
Fonte: Pinterest

Já se fala, também, sobre o uso de tecnologias antivírus - semelhantes a lógica computacional que previne as máquinas de malwares - que, na nossa realidade, funcionaria também como proteção às edificações. 

Tanto nas habitações como em construções de emergência, os hábitos de toque em superfícies possivelmente serão trocados por comandos via tecnologia. Os smartphones e assistentes virtuais certamente contribuirão para controlar abertura de portas, acessos a elevadores e limpeza dos ambientes. 

Diante da pandemia atual, as construções modulares para erguer ambientes hospitalares de campanha são rápidas e podem ser temporárias, como já foi visto ainda nesse século, com o surto da gripe H1N1 - a arquitetura efêmera corroborou para aumentar o atendimento hospitalar em áreas abertas, como em estádios de futebol brasileiros. 

Com a crise atual no sistema de saúde pela superlotação e falta de UTIs, uma das soluções para essas problemáticas foi a expansão das alas através de contêineres de transporte, anexados aos estacionamentos dos hospitais ou em outros lugares amplos. 

Esse é o caso do projeto CURA (Connected Units for Respiratory Ailments, em português, Unidades Conectada para Tratar Doenças Respiratórias), desenvolvido pelos arquitetos italianos Carlo Ratti e Italo Rota, que utilizaram-se de contêineres para o tratamento intensivo de pacientes com Coronavírus. 

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Fonte: CURA/CRA - editado

As cápsulas têm capacidade para dois leitos onde possuem um sistema de ventilação independente e janelas de vidro possibilitam a entrada de iluminação natural e a interação com a família, sem o risco de contaminação.

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Fonte: Max Tomasinelli/Casa.com.br

Outras construções similares, com estruturas leves e de fácil adaptação, continuarão sendo eficazes para essas demandas emergenciais. 

Como em outras áreas, onde se já é empregado testes em novos desenvolvimentos de materiais funcionais, a arquitetura pós pandemia certamente terá seu foco, também, em investimentos de materiais antibacterianos, virucidas e fungicidas. 

No passado, por exemplo, o design dos móveis modernistas priorizavam materiais, como o aço inoxidável para utilizar em pernas de mobiliários - isso facilitava a movimentação e limpeza dos objetos. 

“Cadeiras reclináveis, como a espreguiçadeira LC4, projetado em 1928 por Le Corbusier, Charlotte Perriand e Pierre Jeanneret, também apareceu com mais frequência nesta época e com uma estética distintamente modernista. Eles se inspiraram nas poltronas reclináveis ​​encontradas nos sanatórios, que elevavam as pernas para a circulação.”
Como as pandemias moldaram a arquitetura

Nesse contexto, entendendo a atual crise de saúde, ninguém quer que o cenário pandêmico volte a ocorrer, mas caso isso ocorra, desenvolver uma arquitetura de qualidade prevenirá, certamente, seus efeitos de propagação de infecções e doenças.  


Até a próxima,

Equipe Vobi


Referências:

www.sciencedirect.com

www.world-architects.com

www.houzz.com

www.imoveis.estadao.com.br

www.archdaily.com.br

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